sábado, 25 de julho de 2009

Protógenes fala de futebol e diz que salvou Corinthians "da máfia"



Protógenes fala de futebol e diz que salvou Corinthians "da máfia"
Eliano Jorge
Especial para o UOL
Em Salvador

Embora seja botafoguense, Protógenes Queiroz, delegado da Polícia Federal, sente-se orgulhoso pela boa fase corintiana. Acredita que seu trabalho salvou o Corinthians, ao descobrir irregularidades da empresa parceira MSI.

QUEM É PROTÓGENES QUEIROZ
Folha Imagem
Delegado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz ficou famoso ao comandar a operação Satiagraha, que investigou desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro, culminando em 2008 com a prisão de banqueiros, diretores de bancos e investidores, incluindo Daniel Dantas, presidente do grupo Opportunity. Depois, ele acabou sendo afastado do comando das investigações.

Entre outros casos, Protógenes também investigou as acusações de lavagem de dinheiro e de remessas irregulares de divisas supostamente feitas pela parceria entre o Corinthians e o fundo de investimentos MSI.
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Queiroz ainda comandou a prisão de apostadores e dois árbitros no escândalo de arbitragem das Séries A e B do Campeonato Brasileiro de 2005. O trabalho o credenciou a ingressar na Comissão de Estádios e Segurança da Fifa, no ano seguinte. Hoje, é um dos 10 membros, junto com representantes de Egito, Japão, EUA, Nigéria, Eire, Sérvia, Malásia, Nova Zelândia e Bermudas, que discutem medidas de combate à corrupção no futebol e de segurança em estádios.

De passagem por sua terra natal, Salvador, nesta semana, num momento de sossego do turbilhão da operação Satiagraha, Queiroz falou sobre os crimes que têm perturbado o futebol internacional. Ele afirma, convicto, que o futebol inglês, hoje o mais poderoso esportiva e economicamente, está tomado por máfias.

Como o senhor chegou à Fifa?
O primeiro país no mundo a apresentar um trabalho concreto, eficaz, e a identificar o problema de corrupção no futebol foi o Brasil, através desse trabalho que eu coordenei (contra a Máfia do Apito, em 2005). Aí me chamaram para fazer uma palestra na Fifa e, por intermédio do presidente (da CBF) Ricardo Teixeira, interlocutor desse contato, me falaram que eu não poderia ficar fora desse projeto de proteger o futebol no mundo. Falei: "Se vocês não tomarem uma providência hoje com relação a lavagem de dinheiro, transferência de jogadores, crianças enviadas para outros países - o que parece mais tráfico de seres humanos do que visando ao próprio futebol -, os senhores não vão estar mais nestas cadeiras, essa comissão vai deixar de existir e a Fifa vai deixar de ser uma entidade internacional de credibilidade no esporte. Aí me convidaram para ser integrante e tive autorização dos meus superiores na Polícia Federal e no Ministério da Justiça. Foi concluído o trabalho que fizemos, muito duro, para reprimir a contaminação do futebol internacional pelas máfias organizadas, que tinham objetivo de lavar de dinheiro, implementar jogos de apostas clandestinos, manipular resultados. Isso teve reflexo na Itália, na Alemanha, identificamos problemas crônicos na Inglaterra, que hoje é tomada por organizações criminosas e está contaminada.

Qual a prova desta contaminação?
Hoje há uma discussão muito grande a respeito de alguns jogos na Inglaterra que são suspeitos de manipulação. Alguns clubes são de um investidor só. Isso é muito grave. O clube não está na mão de torcedores, e sim de um investidor que faz o que bem entender. O Chelsea pertence a Roman Abramovich, que é dono de outros clubes de lá. O maior exemplo de resistência a este assédio de investimento internacional é o Barcelona, que vive de contribuições dos próprios torcedores. Portugal já tem problemas com clubes-empresas, pois em muitos não se sabe a quem pertence o controle acionário.

Há suspeitas sobre o Real Madrid, que teria dívidas de R$ 400 milhões e estaria gastando quantia semelhante em novas contratações agora.
Sim, não posso afirmar que ele é totalmente tomado por investidores, mas há um perigo aí bem visível. A gente tinha que dar um rumo ao futebol internacional no caminho do bem. Na Inglaterra, pseudo-empresários são donos de mais de um clube e podem fazer resultado a hora em que eles quiserem: "Hoje você vai perder; hoje, vai ganhar". Isso é ruim para o futebol que queremos. O presidente atual, Joseph Blatter, é incansável, imbatível, implacável e responsável no combate a qualquer ato que venha a prejudicar o funcionamento do futebol ou corrupção e desvio de função. É um dos grandes líderes desse processo, uma linha sucessória criada pelo então presidente João Havelange, que solidificou esse pensamento por mais de 20 anos.

E quais as providências quanto às acusações de um jornalista alemão, ano passado, em relação à manipulação de quatro jogos na Copa de 2006, inclusive de Brasil 3x0 Gana?
A Fifa tomou providência, inclusive de situações até menores, de venda de ingressos. Não posso falar diretamente pela Fifa, o que relato é a respeito do que presenciei e a imprensa veiculou, aquilo que coordenei de investigação e participei. Mas praticamente erradicamos a lavagem de dinheiro no futebol internacional. Ainda podem existir indícios, mas a Fifa mantém o alerta.

Há vários casos de correspondência clara entre grupos mafiosos e clubes que se tornaram fortes nestas localidades, como por exemplo o Napoli (Itália), o América de Cáli e o Nacional de Medellín (Colômbia) na década de 1980...
O Chelsea! O Chelsea, que nunca foi clube grande, agora o Indios, de Ciudad Juarez (México), que subiu para a primeira divisão mexicana pela primeira vez. Identificamos e criamos instrumentos para evitar esta contaminação. E os resultados são claros. No Brasil, havia um caminho pavimentado para a tomada de assalto por grupos mafiosos que foi interrompida pelo trabalho que fiz. Hoje o futebol brasileiro é liberto dessas organizações mafiosas. Tem desmandos de administração de alguns clubes, mas que são resolvidas internamente por nós, brasileiros. Chegaram a tangenciar alguns clubes. O primeiro grupo criminoso (MSI) que esteve no Brasil foi liderado pelo oligarca russo Boris Berezovsky, com o iraniano Kia Joorabchian. A proposta deles era investir em clubes brasileiros, trazendo muitos recursos para sanear as dívidas. O Corinthians foi escolhido porque é o clube de coração do presidente da República, isto criava, assim, uma facilidade maior desses grupos criminosos de ter uma facilidade, uma simpatia por órgãos do governo. Mas o objetivo era se apoderar dos grandes clubes do Brasil.

Até onde conseguiram ir?
Apenas se apoderar do Corinthians. Com esta operação que coordenei, eu praticamente rescindi esse elo criminoso, com a investigação, desbaratando essa grande organização com indícios de lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros correlatos. Se o Corinthians é hoje um clube na primeira divisão, campeão (paulista e da Copa do Brasil de 2009), com uma trajetória muito boa, é graças a um trabalho que eu executei de impedir que essas máfias internacionais tomassem conta de um dos clubes de maior importância. Também consegui identificar proximidades com outros grandes clubes: Flamengo, Internacional, Atlético Mineiro, Cruzeiro...

Que proximidade?
Oferecendo recursos para os clubes saldarem suas dívidas. Tentaram se infiltrar adquirindo contratos de jogadores de muitos clubes. Fiz um trabalho também com a Procuradoria Federal da Rússia para auxiliar nas investigações que envolviam estes mesmos elementos que atuavam no Brasil. Obtivemos muito sucesso porque isso impediu a articulação desse grupo na própria República da Rússia, que estava ameaçada por este grupo. Berezovski não pode voltar à Rússia. Se voltar, ele é preso.

Como foi aquela operação de prontidão na passagem dele pelo Brasil?
Eu o prendi. Berezovsky exibiu vários cartões, documentos, uma espécie de salvo-conduto na hora em que foi detido no aeroporto internacional, mas isso, para mim, de nada valeu porque os indícios da prática de crime de lavagem de dinheiro eram muito fortes em relação a ele e ao grupo que ele liderava. Mapeamos todos os contatos que ele tinha no Brasil, muita gente importante. Ele tentava até sair com alguns segredos, negociar a Varig na época e também investir na Petrobras. E eu falei que, naquele momento, era um criminoso e não estava autorizado a investir no meu país e especialmente na Petrobras. Eu apreendi documentos comprometedores desse esquema criminoso que ele liderava para se apoderar de algumas riquezas do país. Já estávamos monitorando os passos dele. Quando ele ingressou no Brasil, nós o acompanhamos; quando ele ia sair, nós o prendemos porque estava saindo com alguns documentos comprometedores, não só da Petrobras, como de outros clubes e negócios em outros países.

E os clubes patrocinados por sites e casas de apostas?
Esses clubes são comprometidos. Tinha um esquema clandestino de apostas que desbaratamos, coincidentemente vindo com esses oligarcas russos que estavam querendo se apoderar do futebol brasileiro. Não detectamos se há uma relação direta ou indireta. Em outros países, é um problema crônico. Na Ásia, as apostas superam as expectativas de negócios, isso faz parte da cultura deles.

Jornalistas mostraram falhas de segurança, na Copa das Confederações, em julho, na África do Sul. Os estádios estavam desprotegidos até para ameaças de terrorismo.
Quanto à ameaça de atentados para ceifar vidas de pessoas inocentes, acreditamos que há um histórico primário no futebol. Somos 208 países e tencionamos produzir espetáculo, por outro lado temos que considerar que essas ameaças não são preponderantes no futebol. Até porque muitas questões internacionais, muitas diferenças, étnica, religiosa, política, no âmbito do futebol não existem. Há responsabilidade e comprometimento dos chefes de Estado e das pessoas envolvidas nesse grande espetáculo com a segurança do evento. Não significa dizer que estamos inertes ou despreocupados com o que possa acontecer. Há planejamento. Dia 21 de agosto, vamos fazer um workshop, em Assunção (Paraguai), visando exatamente ao problema da segurança de estádio, primariamente a segurança dos torcedores.

Ano passado, houve uma tragédia lá (em Assunção), no principal estádio (Defensores Del Chaco).
Por isso, o workshop será lá. Se não tiver segurança e paz, dentro ou nas imediações do estádio, temos convicção de que não se pode ter jogo.

Mas hoje a violência de torcidas está mais relacionada a confrontos fora do estádio, não?
Sim, fora do estádio é também preocupação nossa. Ter a garantia de que o torcedor vai sair de sua casa e vai assistir ao espetáculo se sentindo seguro e nada vai acontecer. Contamos também com a colaboração das autoridades afetas à área de segurança pública. Tem que ter um comprometimento dos órgãos de segurança das cidades, é um problema mundial. Nossa comissão estuda como ter um padrão de "estádio Fifa" para recepcionar os espetáculos internacionais, discute qual seria o melhor padrão, mas, na minha avaliação particular, hoje não existe nenhum estádio. Existem estádios que podem, juntando seus atributos, formar um estádio ideal. Isoladamente, não.

Por Protógenes Queiroz às 03h06

http://protogenes.blog.uol.com.br/

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